n. 12, vols. 1 e 2, ago. 2020

Detalhe da capa da 1ª edição de Levantado do chão (Editorial Caminho, 1980) / Reprodução

APRESENTAÇÃO

É possível acrescentar este número da Revista de Estudos Saramaguianos entre os registros que assinalam os valores que começam a ser atribuídos desde a publicação de Levantado do chão em 1980. E muito já se escreveu entre comentários, recomendações, recensões críticas, artigos, ensaios e trabalhos acadêmicos de maior fôlego, como dissertações e teses. Esta edição é, portanto, um marco num itinerário cujos limites de uma obra que se observam cada vez mais extensos e, por isso mesmo, vigorosos e visíveis. Aqui se oferece uma pequena amostra sobre como uma criação literária continua a suscitar, quatro décadas depois de sua origem, interrogações que favorecem leituras das mais singulares e capazes de abrir a partir de cada uma delas um repositório ainda mais variado. Isto é, se um dos princípios que levaram os editores a chamar estudiosos, de filiações teóricas variadas, para demonstrarem suas maneiras de acessar ao romance, outro agora se impõe e nos guia quando tornamos pública a seleção deste material, que é o de oferecer a outros leitores o contato com o romance ou mesmo de outras leituras que podem vir aparecer em páginas de outras edições deste e de outros periódicos.

“Voltar a Levantado do chão, um romance dentro e fora de seu tempo”, o título atribuído a este dossiê, articula duas das principais linhas que se evidenciam numa panorâmica pelos textos aqui reunidos, seja a partir do escopo estético, formal, estrutural ou temático: a primeira linha restabelece uma preocupação em evidenciar as filiações e apropriações da historiografia portuguesa, da tradição popular, da memória coletiva e dos valores da luta dos camponeses contra as forças de dominação e opressão de um poder feito por homens para homens, está, portanto, melhor integrada a uma investigação sobre as origens e a formação da matéria romanesca; uma segunda linha busca ampliar as fronteiras do que na primeira também podemos designar como contexto da obra, visando aspectos e questões problematizadas no tempo dos leitores do tempo em curso. Apesar de distintas, essas duas linhas não estão isoladas, mas em constante comunicação, afinal, este parece ser o lugar próprio da obra literária, lidar com modelos e concepções do tempo referido pelo plano da ficção e do tempo referido pelo plano da leitura. Mas, é apenas no caso específico de obras de valor literário evidente, como é o caso, que essa intersecção se demonstra possível.

Pela elevada quantidade, variedade e qualidade dos textos que recebemos, optamos por organizar este número em dois volumes: em cada um deles, o leitor percebe melhor as linhas evidenciadas acima. Isto é, foram elas que, derivadas do título e da chamada propostos, guiaram o estabelecimento da ordenação do que podemos designar agora de campo intelectivo formado a partir, sobre e em torno de Levantado do chão. Assim, as intervenções reunidas no primeiro volume se dedicam, em primeiro plano, aos aspectos de intelecção sobre a constituição do romance e findam com uma abertura para os campos interpretativos possíveis a partir da obra em questão. No segundo volume, agrupam-se os textos ora integrados ao ponto de encerramento do primeiro, e aqueles com especial interesse em evidências capturadas no miúdo do tecido romanesco.

Completa a edição uma seção breve chamada por “Dois documentos em torno do Levantado do chão”; ela se compõe por dois textos singulares. O primeiro é uma leitura crítica de Óscar Lopes de pouco mais de um ano depois da primeira edição do romance de 1980; raridade entre os leitores mais recentes da obra de José Saramago, este texto se oferece entre as primeiras leituras acolhedoras de maior fôlego pela academia em torno do romance e do seu escritor. E, o segundo, a reprodução do discurso de Saramago pela aceitação do Prêmio Cidade de Lisboa, em 1982. Como todas suas intervenções públicas do tipo, este texto se reveste de um apelo ― embora direcionado então ao grupo presente na cerimônia no Paços do Concelho ― de dimensão que toca a todos os que lidam com a atividade da escrita e os que dela se utilizam para a investigação sobre o seu funcionamento e os afetos dentro e fora do sistema literário, principalmente em tempos de vil incerteza. 

Equipe editorial

VOLUME 1
VOLUME 2