O memorial de Blimunda — reflexões sobre a reinvenção da ética em José Saramago
BURGHARD BALTRUSCH
Este estudo pretende mostrar que o romance Memorial do Convento (MdC, 1982), de José Saramago, contém vários memoriais: Por um lado, temos o bem conhecido memorial histórico-literário da construção do convento de Mafra, que centra a sua atenção naquelas circunstâncias e pessoas que a historiografia oficial silenciou. É um memorial que reescreve a história desde a perspectiva de todos os supostamente vencidos — homens e mulheres —, mas também desde o ponto de vista do povo, que age como colectivo histórico, como entidade trabalhadora e produtora de cultura, e a cuja história se pretende conferir memorabilidade. Tentarei mostrar que, além deste memorial histórico-literário, objecto principal da maioria dos estudos realizados até ao momento, existe ainda o denominaria o “memorial de Blimunda”, uma vez que permite esclarecer como nesta figura confluem todas as linhas de força da narrativa, e como ela, em última instância, resulta ser o engenho que garante o “funcionamento” da mensagem ético-política do romance. É um memorial que também realiza o balanço de uma economia do sacrifício, que é, em palavras de Jacques Derrida, “uma economia equívoca o suficiente para parecer integrar a não economia” e que, “na sua instabilidade essencial”, “parece ao mesmo tempo fiel e acusadora e irónica em relação ao sacrifício cristão” (1999: 148). Este memorial profundo inclui as questões éticas relacionadas com a bondade, responsabilidade, fé e o segredo que caracterizam a figura da Blimunda, além de nos sugerir ler o MdC, também, como um irónico “livro comercial” que contém um balanço, subversivo, mas com uma aspiração inequivocamente ético-política, da economia do sacrifício desinteressado do discurso bíblico, e que o estudo pretende revisar a partir das análises realizadas por Jacques Derrida em Donner la mort (1999).
Palavras-chave: José Saramago. Memorial do Convento. Blimunda. Ética. Sacrifício.
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