Do ateliê de pintura à escrivaninha: a beleza no romance de José Saramago
MARIA REGINA BARCELOS BETTIOL
O livro Manual de pintura e caligrafia de autoria de José Saramago foi publicado pela primeira vez em 1977 pela Moraes Editores em Lisboa. Embora seja uma obra de gênero narrativo (romance) é também classificada pelos críticos como um tipo de tratado em que o autor discorre, com bastante propriedade, sobre a correspondência existente entre a pintura e a literatura problematizada no exercício da escrita. Nesse estudo comparativo feito por Saramago, está logicamente em discussão o processo de criação. No referido romance, a personagem principal – o pintor – busca a sua expressão individualista nas duas artes, ele transita entre o ateliê de pintura e a escrivaninha promovendo o diálogo entre as artes, fazendo com que composição pictórica e narrativa se entrecruzem no texto. Em outras palavras, a pintura pede ajuda à literatura para que esta possa com palavras fixar imagens no texto, e a literatura, por sua vez, pede ajuda à pintura para que por meio da linguagem pictórica expresse pela força da imagem o que as palavras não conseguem dizer. Saramago tenta reconciliar o estilo artístico com a literatura e, nesta mistura de cores e matizes, a escrita saramaguiana oferece ao leitor uma galeria de belíssimos quadros. Quadros que aparecem na narrativa e que são transformados pela caligrafia do escritor em pinturas narrativas, revelando todas as possibilidades e toda beleza com que a escrita pode nos contemplar. Ao trazer obras de arte do passado e ao tentar integrá-las no texto do presente, Saramago demonstra como é possível fazer uma interpenetração espacial e temporal pelo viés da Literatura. A personagem, ao viajar pelo mundo da História da Arte e de seus grandes e inesquecíveis mestres, serve de guia ao leitor em seu passeio pelos grandes museus e galerias (reais e imaginários) da Itália. Em sendo assim, fica evidenciado neste processo alquímico que ao transmutar pintura em composição narrativa, Saramago traz para o debate questões como: a sensibilidade estética do autor e da obra, o distanciamento do objeto pintado e de suas múltiplas formas, o tempo gasto na execução da obra de arte e o quanto a nossa visão da obra de arte e do texto é condicionada pela cultura, são questões brilhantemente discutidas no romance de Saramago e que interessam à contemporaneidade.
Palavras-chave: Pintura. Literatura. Manual de pintura e caligrafia. José Saramago.
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